16/12/2018
Ano 22 - Número 1.105

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CARLOS TRIGUEIRO

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Carlos Trigueiro


ARRASTÃO DE ORIGENS POTIGUARES


Carlos Trigueiro - CooJornal

Sou potiguar nas origens de origens das origens. Que eu saiba, desde o meu tataravó Tomaz; depois, sou bisneto de Periandro Henriques Trigueiro e neto do capitão Francisco Trigueiro Sobrinho que, dizem, veio das bandas de Cuitezeiras desaparecida em 1901 na enchente do Rio Curimataú (e que dois quilômetros adiante se reergueria como Vila Nova e, por fim, com o nome de Pedro Velho), e da avó Maria Emília, Maroca, dali das bandas de Parnamirim.

Na década de 1970, andei por Mossoró a relembrar idos tempos de 13 de junho de 1927, quando o cangaceiro Lampião e seu bando atacaram a cidade, mas foram rechaçados e expulsos a tiros, tal a corajosa e feroz resistência potiguar. E não é demais recordar o fato até hoje assuntado, recontado e revirado sobre o temido cangaceiro Jararaca que, uma vez capturado pela gente do lugar, foi obrigado a cavar sua própria cova e, enfim, acredite quem quiser, enterrado vivinho da silva como ainda se diz pela fala cantada dos arigós.

Também andei por Macau, Ceará-Mirim e vizinhanças a relembrar histórias dos meus tios Alfredo e Periandro, irmãos do meu pai, Asteclíades, sobre as tias-avós que beirando os cem anos ainda faziam a feira, diariamente, nos povoados vizinhos (cujos nomes os coronéis mudaram pra vila isso e aquilo, mas o tempo se encarregou de enterrá-los) em caminhadas de cinco, seis, sete, e lá se iam por tantos quilômetros a perder de vista, ouvido, coração e memória.

Caminhei por becos, ladeiras e ruas de Natal, vezes sem conta, sempre pronto a degustar a famosa carne de sol - temperada com receita original - acompanhada de macaxeira, feijão verde e farinha d'agua nas famosas tavernas do Marinho e do Lira, temperadas com manteiga derretida em garrafas, e, claro, guarnecidas por garrafas de cervejas que esvaziávamos enfileiradas para espantar o calor.

Não me passou em branco honraria íntima: presentear meu aniversario de 70 anos pelas bandas de minhas origens e ouvir sopros mágicos do passado. Assim, comemorei a data com minha mulher, Maria Julia, na Praia da Pipa, resguardada ao fundo por imensas escarpas escavadas por erosão milenar. Tão íngremes e imponentes, as falésias de cores ferruginosas mergulhavam no tempo e o traziam de volta. Para vencer o calor sob o sol escaldante ao pé das falésias, nos revigorávamos no verde mágico do mar cristalino que parecia reconhecer nossos corpos e almas de tempos passados. Após os mergulhos, caminhávamos de mãos dadas sobre a areia fina, vislumbrando outros deleites à beira-mar, enquanto um vento sobrenatural nos regalava o tempo presente.


Texto arrastado do livro "ARRASTÃO DE TEXTOS - Ficção de Verdade(s)",
publicado pela 7Letras Editora/RJ






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Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro@globo.com

 


Carlos Trigueiro é escritor e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil). RJ
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www.carlostrigueiro.art.br



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