01/02/2018
Ano 21 - Número 1.063

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CARLOS TRIGUEIRO

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Carlos Trigueiro



ORELHAS do livro "ARRASTÃO DE TEXTOS"

Carlos Trigueiro - CooJornal



Contratei o autor brasileiro C.P.D. para escrever as orelhas (aliás, badanas, como se diz em Portugal) deste meu livro. Embora o extraordinário historiador, ensaísta e ficcionista continue apontado por seus milhares de leitores e admiradores nas redes sociais para ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, o cearense pai-d’égua permanece desconhecido, preterido ou ignorado – entra ano e sai ano – pelos patrocinadores daquela suprema distinção literária.

Quanto ao nosso contrato particular sucedeu algo impensável. Finda a incumbência de escrever as orelhas, e tendo-as revisadas, prontas e engatilhadas para enviar-me por e-mail particular, C.P.D. verificou embasbacado que, de repente, o texto desapareceu por completo dos arquivos e tela do seu computador.

Pior: também constatou, incrédulo e desapontado, o sumiço das respectivas cópias de segurança efetuadas por aplicativos de última geração considerados infalíveis por seus fabricantes. Ainda atônito, concluiu ter sido alvo de hackers dedicados aos terrenos da Literatura e nuvens da Cibernética. Tristemente, compreendeu ter sido mais uma vítima irreparável do crime pós-moderno que assola todos os quadrantes do planeta: o arrastão tecnológico.

Diante disso, C.P.D. comunicou-me por telefone celular (ou telefone móvel, como se diz em Portugal), a inesperada invasão criminosa e, em consequência, pra lá de aperreado e enfastiado, sua renúncia contratual para apresentar este “ARRASTÃO DE TEXTOS” nas orelhas de praxe. Porém, cabra pai d’égua não vai pra tipoia (rede de dormir, como se diz no Ceará), depois de entregar o ouro ao bandido. Pensou, pensou, repensou, e, finalmente, tratou de me repassar sua ideia sem rodeios nem presepada.

Pensado, dito, e feito: C.P.D. convenceu-me de que eu mesmo improvisaria o texto das orelhas, escrevendo e arrastando-o da capa para o miolo do livro – tal como agora exibido nestas páginas – por julgar a ideia não só engenhosa mas também coerente com [T1] os artifícios fraudulentos, estratagemas, venalidades e ladroagens sistêmicas no Brasil desde o Tratado de Tordesilhas em 07.06.1494, ou mesmo antes disso, pois a data do Descobrimento em 22.04.1500 foi registro dissimulado para atender interesses da coroa lusitana, conforme argumentam alguns renomados historiadores, visto que vários navegadores lusos e de outras nacionalidades já conheciam há tempos a existência do imenso território brasileiro.

A propósito dessas incontestáveis fraudes históricas, C.P.D. citou trechos proféticos do Padre Antônio Vieira (1608/1697) proferidos na homilia que ficou conhecida como “Sermão do Bom Ladrão”, na Igreja da Misericórdia de Lisboa, em 1655, perante o rei D.João IV, a corte real, juízes, ministros, conselheiros e os maiores dignitários do reino.

Naquela oportunidade, contrariando princípios regimentais e sacros da Ordem Jesuítica, Padre Vieira criticou os que se serviam da máquina pública para enriquecer ilicitamente, denunciou os escândalos do governo, a apropriação incontrolável das riquezas ilegais dos governantes através de meios espúrios, gestões fraudulentas, artifícios venais de toda ordem – as propinas daquele tempo – e que a seguir salteadamente resumimos.

Padre Antônio Vieira:

“... não só do Cabo da Boa Esperança para lá, mas também da parte de aquém (Vieira referia-se às terras brasileiras)..., conjugam o verbo rapio (roubar) por todos os modos... indicativo, imperativo, mandativo, optativo, conjuntivo, permissivo, infinito... Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas... Furtam por todos os tempos... presente, pretérito e futuro... e não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, mais que perfeitos e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse...”. ”... O resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar.”

Isto posto, passemos logo à leitura das páginas a seguir, antes que as profecias do Padre Antônio Vieira se cumpram também na Literatura do nosso tempo, e, sabe-se lá, o miolo deste livro sofra um arrastão corrupto sob a égide oficial e irrefreável da atual patifaria que rege o sistema político-econômico brasileiro, e estes textos embarquem em mochila de deputado corruptor e desembarquem em gabinete de senador corrompido, ou imóvel alugado para depósito de caixas, maletas e sacos recheados de propinas. Claro que, a nível popular, os textos poderiam ser arrastados sob o grito peculiar dos facínoras: “Perdeu!”.

Sim, mano: perdeu! Na subida ou descida, no plano, na mão direita, mão esquerda, ou na contramão – fuzil daqui, fuzil dali, tiro pra cá e acolá, sem choro nem vela – sob a inoperância do Governo em quaisquer instâncias. Sim, perdeu! Perdeu sob o descaso às instituições vigentes e descrença nas forças públicas. Sim, perdeu! Perdeu sob a morosidade secular e complacência proverbial dos representantes da Justiça que ao abrigo paradisíaco de salários e regalias estratosféricos aplicam punições frouxas, extemporâneas e desproporcionais aos delitos: castigos risíveis em delegacias policiais, cadeias, penitenciárias, rodovias, praias, morros, trilhas, escolas, esquinas e grotas do Inferno, mas que sobrevivem altaneiras em nosso mofado Código Penal.

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Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro@globo.com


(1º de fevereiro/2018)
CooJornal nº 1.063


Carlos Trigueiro é escritor e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil). RJ
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